terça-feira, 16 de outubro de 2012

A NOITE DISSOLVE OS HOMENS, CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE



A noite
desceu. Que noite!
Já não enxergo meus irmãos.
E nem tão pouco os rumores que outrora me perturbavam.


A noite desceu. Nas casas, nas ruas onde se combate,
nos campos desfalecidos, a noite espalhou o medo e a total incompreensão.
A noite caiu. Tremenda, sem esperança...
Os suspiros acusam a presença negra que paralisa os guerreiros.

E o amor não abre caminho na noite.
A noite é mortal, completa, sem reticências,
a noite dissolve os homens, diz que é inútil sofrer,
a noite dissolve as pátrias, apagou os almirantes cintilantes!
nas suas fardas.

A noite anoiteceu tudo... O mundo não tem remédio...
Os suicidas tinham razão.

Aurora, entretanto eu te diviso,
ainda tímida, inexperiente das luzes que vais ascender
e dos bens que repartirás com todos os homens.

Sob o úmido véu de raivas, queixas e humilhações,
adivinho-te que sobes,
vapor róseo, expulsando a treva noturna.

O triste mundo fascista se decompõe ao contato de teus dedos,
teus dedos frios, que ainda se não modelaram mas que avançam
na escuridão
como um sinal verde e peremptório.

Minha fadiga encontrará em ti o seu termo,
minha carne estremece na certeza de tua vinda.

O suor é um óleo suave, as mãos dos sobreviventes
se enlaçam,
os corpos hirtos adquirem uma fluidez, uma inocência, um perdão
simples e macio...

Havemos de amanhecer.
O mundo se tinge com as tintas da antemanhã
e o sangue que escorre é doce, de tão necessário
para colorir tuas pálidas faces, aurora.

O Bicho, de Manuel Bandeira

 
O poema abaixo retrata o cotidiano degradante do homem que atingiu o ápice da miséria.
Quem nunca se deparou com uma cena como a descrita no texto de Manuel Bandeira? Lamentavelmente, esses fatos acontecem tão rotineiramente que muitos já nem se importam mais…
O Bicho

“Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem”.





A biblioteca: entre reunir e dispersa de Roger Chartier


 
CHARTIER, Roger. A biblioteca: entre reunir e dispersar. In: A aventura do livro; do leitor ao navegador. São Paulo: Editora da Unesp, 1998.


A biblioteca: entre reunir e dispersar é um texto contido na obra A aventura do livro: do leitor ao navegador, do francês Roger Chartier. Após analisar O autor, O texto, O leitor e A leitura, Chartier conduz seu trabalho abordando A biblioteca, enfatizando principalmente o armazenamento e a divulgação de textos.
Contextualiza-se historicamente a mudança de percepção acerca do uso e função deste espaço, partindo de Alexandria, quando o grande anseio já era reunir todos os textos, até os dias atuais com as bibliotecas eletrônicas quando esse desejo parece ser realizado.
Comenta-se sobre biblioteca pública, em que o leitor perambula entre as prateleiras, encontrando muitas vezes aquilo que não procura; e biblioteca de pesquisa, em que se encontra o que é procurado, ambas partindo da ideia de que, texto e leitor precisam estar juntos, no mesmo espaço.
De tal abordagem faz-se alusão a já citada biblioteca eletrônica, onde torna-se imaginável e até possível a biblioteca universal, de modo que mesmo estando, texto e leitor, separados espacialmente, podem está interligados.
Contudo, não podemos esquecer que o excesso de informação muitas vezes pode criar redundância, perda de tempo, sendo, portanto necessário um processo seletivo mais criterioso por parte do leitor.
De todo modo, mesmo com a difusão da internet, da grande facilidade quanto à interação entre o texto e seus diversos leitores, a possibilidade de as bibliotecas digitalizarem suas coleções nunca deve conduzir-nos a relegar ou a destruir os objetos impressos, as bibliotecas tradicionais.
Não podemos esquecer a importância do contexto para diferentes interpretações do texto. Ler um artigo num meio eletrônico sem as devidas referências dá uma ideia do texto; outra bem diferente tem o leitor quando lê o artigo na própria revista em que apareceu. Assim, como nos diz Chartier “O sentido construído pelo leitor depende não só do que está contido no texto do artigo, mas de elementos do contexto em que ele foi inserido”.
O surgimento das bibliotecas eletrônicas deve ser encarado como um processo natural e necessário que vem acompanhando a evolução de nossa sociedade. No entanto é preciso que aprendamos a conviver com a introdução das novas tecnologias da informação, sem esquecer o papel desempenhado pelas bibliotecas tradicionais, inclusive pela importância do livro para nossa cultura.